Não importa a idade do animal, muito menos o tamanho do seu marfim. Basta possuir este elemento que entra imediatamente para o leque de animais a ser morto por caçadores furtivos. Um crime, praticado por cidadãos nacionais e estrangeiros, que tende a aumentar ante a deficiente fiscalização por parte dos órgãos competentes.
Durante a primeira expedição aérea de contagem deste mamífero, que cobriu os cinco países que integra o KAZA TFCA, realizada de Agosto a Outubro de 2022, foram contabilizados perto de 960 elefantes mortos, no território angolano. O levantamento, realizado com o apoio de equipas em terra de técnicos de todos os países membros, ocorreu durante a estação seca, por ser a época em que os elefantes podem ser vistos mais facilmente, segundo apurou Revista Folha Verde.
“São animais que se encontravam mortos. Carcaças que se encontravam no chão e não foi possível apurar com certeza qual terá sido a causa da morte. Pode ser natural, por velhice, mas também, muito provavelmente, a maior parte dos casos será por [acções] de caçadores furtivos”, afirmou Vladimir Russo, ambientalista e consultor.
O estudo realizado por especialistas do projecto KAZA TFCA, a que este jornal teve acesso, cujos resultados foram apresentados aos órgãos governamentais o ano passado, indicam que a taxa de mortalidade da população de elefante no território angolano é de 16%. O que perfaz um total de cerca de 960 elefantes mortos se tivermos em conta que a população rondava os seis mil elefantes.
“Estima-se que naquela região existem por volta de seis mil elefantes no território angolano. Portanto, uma taxa de 16% de elefantes mortos é muito elevada”, aclarou.
Dentre os cinco países, Angola é o segundo com a menor população de elefante. Este factor é encarado pelos especialistas como um sinal claro de que esta espécie precisa de um grau elevado de protecção. Isto porque ao se analisar a situação do ponto de vista de vulnerabilidade e de quantidade, a classificação dessa espécie em Angola, em termos de conservação, será de “mais vulnerável”, se comparada com a população de elefante do Botswana, por exemplo.
Com o calar das armas e o regresso da tranquilidade nas matas do Cuando Cubango e do Moxico, duas províncias cujos territórios fazem parte do projecto KAZA TFCA, regista-se o regresso de variadíssimas espécies de animais que, outrora, viram-se forçados a procurar abrigo nas florestas dos países vizinhos, como da Namíbia e da Zâmbia, como é o caso dos elefantes. “Eu digo principalmente os elefantes porque a eles tem sido possível colocar coleiras GPS do lado da Namíbia e do Botswana e verificar esse regresso”, garantiu Vladimir Russo.
No entanto, sublinhou que há outros animais que acredita estarem a regressar à Angola, mas são os menos expostos, como o Leopardo, os Mabecos, Leões, Chitas, Gunga, Gulunge, Búfalo, entre outros. Ainda assim, também têm sido caçados por causa dos ossos e da pele, oporem, não na mesma proporção que os elefantes. “São animais que existem e não são muito expostos, como é o elefante, que é bastante visível e caçado por causa dos dentes de marfim”, enfatizou.
Para o também director-executivo da Fundação Kissama, os resultados do estudo vão além das mortes dos animais, pois, incluem a circulação e o tráfico, bem como a entrada em território nacional de artefactos de caça de outros países, particularmente da Namíbia, “quando se está a falar da retirada de dentes de marfins e de cornos de rinocerontes”.
“Os voos aéreos serviram para a contagem e censo dos animais. Como resultado dessa actividade específica não houve nenhuma responsabilização criminal de caçadores furtivos. Agora, que existem caçadores furtivos na área isso é um facto e poderá ter havido detenções de caçadores noutras alturas”, frisou, lamentando o facto de não se ter tornado público se tal facto ocorreu, efectivamente.
Combate à caça furtiva
Por outro lado, Vladimir Russo classificou a caça furtiva como o “Calcanhar de Aquiles” do país por ter muitas dificuldades de patrulhamento. Como a região do projecto KAZA é de difícil acesso, com estradas difíceis, os caçadores usam motorizadas para circularem com maior facilidade por trilhas bastante antiga, longe dos olhares das autoridades.
“É importante referir que da expedição aérea que foi feita naquela região, Angola é o país que teve uma taxa de elefantes mortos maior do que os outros e o dobro daquilo que é estimado que exista do ponto de vista natural: são os tais 8 por cento”, frisou.
Para ser mais preciso, o ambientalista explicou que para uma população de uma área circunscrita, seriam 8 por cento e nós estamos com 16 por cento. Isso significa teoricamente, e com base em estudos comparativos, que estes 8 por cento serão, provavelmente, de caça furtiva e não de morte natural.
Entre os factores que favorecem a caça furtiva, o nosso interlocutor apontou o facto de as áreas serem muito extensas e a capacidade de fiscalização, por parte do Ministério do Ambiente, responsável governamental por tais áreas, ser bastante reduzida.
“Um aspecto que o Governo de Angola tem de ver é, estabelecer parceria com organizações internacionais que têm mais capacidade para gerir as áreas de conservação do que nós temos”, frisou, classificando de positiva a iniciativa piloto de parceria entre o Governo e a organização sul-africana African Parks, para a gestão do Parque Nacional do Iona, no Namibe.
“Nós temos que dar esse passo. Eu diria mesmo, para todas as áreas de conservação do país porque da forma como estão, a situação é muito preocupante”, defendeu.
Vladimir Russo advertiu que existem algumas zonas de conservação que estão melhor protegidas, mas que não têm uma equipa de gestão e se tal não ocorrer “nós próximos 10 anos, essa biodiversidade que temos vai desaparecer. Um processo que já está a acontecer”.
De salientar que o Ministério do Ambiente, através do Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação (INBAC), com o financiamento do Fundo Mundial para o Ambiente (GEF), está a levar a cabo desde o ano passado, em parceria com técnicos do PNUD Angola, um projecto de Combate ao Comércio Ilegal de Vida Selvagem.
No seu ponto de vista, a inversão desse quadro passa pelo reforço da fiscalização e do patrulhamento não só naquela área, como também a nível dos principais postos fronteiriços terrestres. Mas, também, deve haver uma maior movimentação de pessoas, o que pode resultar da melhoria das estradas e a criação de infra-estruturas para atrair mais turistas e investimentos.
Mais 67 mil quilômetros percorridos em dois meses de pesquisa
A realização desta pesquisa obrigou os investigadores a percorrerem mais 67 mil quilômetros em apenas dois meses, com recurso a três aeronaves adequadas para o efeito, e a utilizarem 16 bases remotas em toda a região.
Em termos de recursos humanos, a equipa foi constituída por 47 técnicos, entre pilotos, observadores e a equipa de campo treinados. “Estamos extremamente satisfeitos com a qualidade do esforço de amostragem”, afirma Darren Potgieter, coordenador do Levantamento de Elefantes do KAZA, no relatório que vimos citando.
Cada operação de voo foi realizada por uma equipa constituída por um piloto, que tinha no banco dianteiro direito um gravador, e dois observadores nos bancos traseiros.
Para o êxito da operação, as equipas usaram um plano de voo sincronizado, de acordo com o estabelecido pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) e Monitorização da Matança Ilegal de Elefantes (MIKE), de acordo com o relatório. Os voos foram rastreados pela EarthRanger para fins de segurança e garantia de qualidade.
Além da pesquisa realizada pelos especialistas do KAZA TFCA, focada nos elefantes, o território do Okavango Zambeze tem servido de campo para diversos estudos, com realce para como o projecto Pantera, que estava centrado nos felinos.
Os técnicos envolvidos neste projecto fizeram o levantamento dos felinos existentes nesta região, através da instalação de câmaras de vigilância que disparam automaticamente sem a presença humana, em função da movimentação de qualquer ser vivo. Deste modo, foi possível verificar que espécies existem, fazer um catálogo das mesmas, estudar a densidade (saber se são muitos ou poucos) e a distribuição (saber onde estão, uma vez que as câmaras são colocadas em diferentes locais).
“Portanto, isso está a ser feito e vai demorar algum tempo para se perceber se há, de facto, o regresso de todas as espécies. Notamos que existe o regresso dos elefantes, mas temos uma diversidade grande de espécie, mas a densidade é baixa. Temos poucos animais fruto, um pouco, da guerra, da caça furtiva e da capacidade daquele ambiente suportar um muito mais”, frisou a fonte.